Em memória de Carlos Rodrigues Brandão (1940-2023)
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- Data 14 de julho de 2023
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Faleceu no dia 11/07 o antropólogo Carlos Rodrigues Brandão (1940-1923), com 83 anos, em Campinas (SP). Essa pesarosa notícia nos une em luto por um notável pesquisador e pensador, cujas contribuições são significativas em campos como o estudo das religiões, os estudos rurais e a educação – em muito influenciado pelos ideais de Paulo Freire. Uma pessoa doce e com vivacidade que se definia como “militante ativista”, sempre engajado em causas populares junto a pessoas negras e indígenas, camponesas, quilombolas e ribeirinhas. Pai, avô, marido, amigo, querido.
A trajetória intelectual de Brandão – presente em importantes espaços como o Instituto de Estudos da Religião (ISER), contribuindo ativamente para a revista Religião & Sociedade – se emaranha à sua atuação em movimentos sociais, como a Juventude Universitária Católica (JUC), a Ação Católica (AC) e o Movimento de Educação de Base (MEB). Ele se formou em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1965), fez mestrado em Antropologia pela Universidade de Brasília (1974) e doutorado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1980). Iniciou na docência ainda em 1967, na UnB. Entre 1976 e 1997 foi parte do quadro docente permanente do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), tornando-se livre docente (1988) e professor emérito (2015) da Universidade Estadual de Campinas. No IFCH, ajudou a fundar o Centro de Estudos Rurais (Ceres), além de lecionar para graduação e pós-graduação, permanecendo como colaborador mesmo após sua aposentadoria. Atuou também na Faculdade de Educação (FE), onde ajudou a fundar o Centro de Estudos Educação e Sociedade (Cedes), e foi vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam). Ao longo de sua trajetória, circulou por diferentes espaços acadêmicos e foi contemplado com inúmeros prêmios – como o título de Comendador do Mérito Científico pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e o de Professor Benemérito do Centro de Memória da Unicamp (CMU), em 1998; a medalha Roquette Pinto da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em 2006; as nomeações de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Uberlândia (2008) e pela Universidade Federal de Goiás (2010).
Por meio de suas pesquisas, Brandão conseguia articular autores clássicos da Educação e das Ciências Sociais e Humanas com as experiências mais singulares da vida cotidiana em diversas regiões do país, formulando análises refinadas sobre temas como: folclore, cultura popular, ritual, religião e religiosidade, produção e reprodução de saberes, memórias, meio ambiente, entre outros. Também marcou presença institucional em órgãos importantes, como o Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP) e a Fundação Nacional de Arte (Funarte). Assim transcendeu diferentes campos de conhecimento – cultivando sempre o cuidado no ato de ensinar ao transformar alunas e alunos em pesquisadores ou mesmo amigos –, mobilizando o dom de congregar pessoas diversas, de dentro e sobretudo às margens seja da Igreja, do Estado ou da Sociedade. A convivência nos moldes de dádiva possibilitou não só espaços de acolhimento por onde passava, como em viagens de campo coletivas, mas um espaço físico tido quase como um santuário por seus alunos, a Rosa dos Ventos. Através das brechas, ele conseguiu costurar os fenômenos sociais enquanto partilhava a vida em sua plenitude, tratando de desfazer qualquer assimetria em relação ao povo e se colocando como aprendiz.
A força da coletividade se reflete de diferentes formas, conforme os temas tratados em mais de uma centena de livros – escritos e disponibilizados por ele em acesso livre, por meio dos quais desliza entre a prosa, a poesia, a teoria antropológica, a etnografia e a pedagogia, entre outros. No campo dos estudos da religião, tornaram-se referência obras como O divino, o santo e a senhora (1978) – premiada pelo Concurso Silvio Romero de 1975, organizado pelo CNFCP –, Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular (1981) e Memória do Sagrado: estudos de Religião e Ritual (1985). Através delas Brandão procurou desvendar as nuances e as lógicas rituais das religiões populares, que organizam e dão ritmo à vida cotidiana das pessoas. Um dos (muitos) méritos do autor é conseguir apresentar uma visão complexa das relações sociais que sustentam e são sustentadas por práticas religiosas, superando, assim, uma visão reducionista da religião que a compreendia como o “grito dos excluídos” ou como o “ópio do povo”. Entre seus muitos méritos, ele contribuiu substancialmente para a consolidação dos estudos das religiões e da religiosidade popular brasileira.
O legado de Brandão permanece e será semente, tal qual seus ensinamentos generosos. Somos gratos por sua vida!
Brandão, sempre presente.
Membros do Laboratório de Antropologia da Religião (LAR/Unicamp).
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