Religião no Enem 2022
Adriel Torres Ferreira e Renan Baptistin Dantas
(Pós-graduandos pelo PPGAS/UNICAMP e professores da Educação Básica)
No último domingo, dia 13 de novembro de 2022, ocorreu o Exame Nacional do Ensino Médio, utilizado em diversos processos de ingresso ao ensino superior. De modo geral, a cada ano que passa, os saberes sociológicos e antropológicos vêm ganhando destaque na prova do Enem. Este ano a prova abordou temas como movimentos sociais e cidadania, democracia, patrimônio cultural, racismo estrutural, lugar da mulher na sociedade contemporânea e interseccionalidade. Sem contar o tema da redação que abordou os desafios vivenciados pelas comunidades tradicionais e povos originários no Brasil.
Porém, um destaque também interessante foi a presença de questões abordando a religião. A religião já foi tema de redação do Enem em 2016, quando fez os estudantes refletirem e dissertarem sobre “Caminhos para combater a intolerância religiosa”, tendo também sido tema de uma série de outras questões ao longo dos últimos anos. Podemos depreender desse movimento diferentes hipóteses de estudo que vão discutir os vínculos entre a pesquisa acadêmica, a educação básica e o debate público. Para chamar atenção a essa agenda de pesquisa e ao campo de estudo da religião, este breve texto comenta as questões que abordaram o fenômeno religioso e seus recortes analíticos na prova de Ciências Humanas do Enem de 2022.
Neste ano, o tema da religião apareceu de forma central em quatro questões. Mais especificamente, temas e conceitos, como teocentrismo, religiosidade popular, rito, locais místicos, cruzados com outras temáticas como patrimônio cultural, literatura e história.
*Vale observar que a numeração das questões correspondem à numeração do Caderno de questões Rosa.
Questão 55. Fonte: Caderno de Questões Rosa do Enem 2022.
Na questão 55, observamos a mobilização do catolicismo popular, um tema clássico da antropologia da religião, abordando os milagres ocorridos em Juazeiro (RN), por intervenção de Padre Cícero. Religião, neste recorte, são as práticas religiosas, uma tradição vivida pelas pessoas como forma de interpretar o seu mundo, conferir significado e infundir emoção.
Questão 62. Fonte: Caderno de Questões Rosa do Enem 2022.
Na questão 62, O livro Os sertões, de Euclides da Cunha, é o meio para observar a relação entre religiosidade e paisagem. Aqui, reafirma-se o observado na outra questão, o recorte característico das ciências sociais para o fenômeno religioso. Um produto humano, que produz efeitos reais, como a intimidade com a biodiversidade que nos cerca.
Questão 81. Fonte: Caderno de Questões Rosa do Enem.
Na questão 81, o fenômeno religioso aparece no contexto histórico europeu do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, consequentemente, a institucionalidade da fé. O estudante é direcionado para observar a produção de padrões de conduta a partir do controle da forma ritualística.
Questão 69. Fonte: Caderno de Questões Rosa do Enem.
Já a questão 69 foi selecionada por abordar o encontro, como nomeia Eduardo Galeano, entre o império teocrático dos Incas, em seu apogeu, com os espanhóis. Consideramos interessante as complementações do enunciado da questão – As sociedade mencionadas deixaram como legado uma diversidade de. As alternativas (A) e (C) guardam um longo debate de nosso campo de estudo. Enquanto “bens religiosos” acompanham “matriz cristã”, “heranças culturais” acompanham “saberes próprios”.
Diante dessas questões, observamos que as apresentações do fenômeno religioso seguiram uma abordagem próxima de fundamentações clássicas do campo sociológico e antropológico, nem sempre presentes na educação básica. Assim, da mesma forma como o debate midiático passou a dar mais atenção ao fenômeno religioso nos últimos anos, acreditamos que materiais didáticos passarão a dar uma atenção especial para tal temática. Nesse horizonte de possibilidade, o Exame Nacional do Ensino Médio reafirmou a posição dos recortes analíticos próprios das ciências sociais.
Por fim, acreditamos que as questões que tematizaram nosso objeto de estudo se somam a uma percepção mais geral, que diz respeito à compreensão do Enem 2022 como uma instituição de Estado. As características do exame permaneceram apesar dos constantes esforços de imposição dos sentidos e símbolos do governo atual, bem como a desorganização. Em 2021, foram noticiados assédios relatados pelos quadros concursados do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, responsável pelo Enem, conectado ao Ministério da Educação), seguidos de um processo de demissão em massa, além das trocas constantes dos ministros deste ministério e do primeiro escalão do INEP. Portanto, não só reconhecemos nosso campo de estudo no exame, como reconhecemos também um sinal de sobrevivência do campo da educação.
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