Reações políticas à Covid-19
- Categorias COVID-19, Debates, Eventos, Novidades
- Data 28 de setembro de 2020
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Nesta crônica, são apresentadas livres reflexões sobre a mesa 5 do Seminário Reações Religiosas à Covid-19 na América Latina, que contou com as participações de Rodrigo Toniol (UNICAMP/Brasil), como mediador, e com as apresentações de Mariela Mosqueira (UBA/Argentina), Luis Bahamondes (Universidad de Chile – Universidad Alberto Hurtado/Chile) e Gustavo de Oliveira (UFPE/Brasil).
Reações políticas à Covid-19:
configurações entre Estado e religião no enfrentamento da pandemia
As configurações nas quais se estabeleceram as relações entre os Estados e as religiões em meio ao enfrentamento da Covid-19 ocorrem de maneiras distintas em cada país da América Latina.
Mariela Mosqueira apresentou no seminário virtual “Reações religiosas à Covid-19 na América Latina”, as análises sobre as articulações entre o Estado argentino e as igrejas evangélicas no enfrentamento da Covid-19. Para entender melhor como se deu essa relação no país, a pesquisadora enfatizou a necessidade de se compreender a situação em que se encontrava o sistema de saúde antes da pandemia: deteriorado pela gestão anterior. Em meio a isso, era necessário reconstruir rapidamente esse sistema para que fosse possível cuidar das camadas mais vulneráveis da sociedade antes que fossem atingidas pelo vírus.
É nesse contexto que o campo evangélico obtém destaque, atuando através da ajuda humanitária, especialmente em três pontos: com a preparação e entrega de alimentos, em alguns casos cooperando com o exército argentino e a defesa civil; com a produção de máscaras e roupas específicas para o uso de voluntários e agentes de saúde; e com a assistência a usuários de drogas. Portanto, o Estado, as igrejas e as lideranças locais desenvolveram, em conjunto, um trabalho de territorialização das medidas de prevenção e de assistência junto aos setores mais vulneráveis, entendidos como prioritários nessa pandemia. Além disso, é importante ressaltar que as igrejas não só contribuíram com assistências materiais, mas também emocionais para o enfrentamento do momento.
No Chile, as relações se deram de maneira próxima ao contexto argentino. Luiz Bahamondes argumenta que, dado a ineficiência do Estado, grupos religiosos, principalmente evangélicos, ganharam espaço e visibilidade na esfera pública. Assim como tem ocorrido na Argentina, esses grupos atuam principalmente onde o Estado não chega. Não por acaso, o governo chileno, assim como o argentino, promoveram uma mesa inter-religiosa para discutir com lideranças de diversas denominações religiosas estratégias de combate à pandemia.
Bahamondes fez uma reflexão das relações entre política, religião e pandemia no Chile, país que desde outubro de 2019 passa por uma convulsão social, com manifestações contra as políticas neoliberais do atual governo e exigindo melhorias nas pensões, combate à desigualdade social, etc. Essa situação política complicou ainda mais o combate à pandemia no país (ou a pandemia complicou a solução do levante social). Algumas estratégias como a “quarentena seletiva” e os “cordões sanitários” (algo semelhante ao que aconteceu em alguns lugares do Brasil) não foram muito eficazes e resultaram num aumento da desconfiança da população em relação às intenções do governo com as medidas isolacionistas. Sem chegar a grandes conclusões, pois as pesquisas estão em andamento, ele deixou claro que um aspecto a ser investigado é o do possível “oportunismo político” dessas relações entre religiões e Estado ou classe política no período de pandemia.
No contexto brasileiro, Gustavo Oliveira analisou alguns aspectos dos discursos de grupos cristãos neoconservadores sobre a pandemia da Covid-19. Para ele, os pesquisadores das religiões no Brasil foram pegos de surpresa com a rápida ascensão de grupos neoconversadores no cenário religioso e político do país. A eleição de Jair Messias Bolsonaro foi o indicativo mais claro de que algo estava mudando, porém que já estavam sendo gestados há muito mais tempo.
Um dos desafios que se coloca para os estudos sobre o tema é que esse campo neoconservador não é homogêneo. Os diferentes grupos que fazem parte dele apresentam, muitas vezes, demandas próprias. Contudo, eles se unem em torno de algumas bandeiras como, por exemplo, o combate aos partidos de esquerda e a oposição às demandas por igualdade de gênero. Em meio a essa heterogeneidade dos grupos no bolsonarismo, torna necessário um combate permanente a inimigos comuns. As fantasias religiosas contribuem para a identificação e demonização desses inimigos. O conceito de fantasia vem da psicologia social e da psicanálise e, num contexto em que o medo e a insegurança tomam os diferentes setores da sociedade, ele pode funcionar como uma interessante ferramenta heurística. O pesquisador elenca três grandes fantasias manifestadas no campo neoconservador: a ideia da sociedade cristã contra o perigo da perseguição religiosa pelo Estado e pelo sistema cultural comunista; a concepção de “família” como unidade moral que combate todas as formas de degradação, representado principalmente pelos movimentos feministas e LGBTQI+; e, por fim, a fantasia do bem-estar material, da prosperidade como maneiras de combater o ateísmo e religiões não cristãs.
No cenário atual, essas fantasias são articuladas como respostas à pandemia e fazem parte da narrativa bolsonarista. Portanto, a eclosão da pandemia pode ser vista tanto como uma ameaça, como oportunidade para o discurso bolsonarista. Oliveira apresenta dois eixos característicos dessa resposta. O primeiro deles é o negacionismo, que pode ser radical (com a ideia de que pandemia não existe ou não é tão forte como se coloca) e/ou parcial (que compreende a pandemia como real, mas que as formas de enfrentamento expostas não são as adequadas). O segundo é a apropriação teológica política que, para ele, gira em torno de outros eixos: a narrativa escatológica do fim dos tempos; uma tentativa de atribuição da culpa a esses inimigos, sendo a pandemia compreendida como um castigo divino aos infiéis; a apropriação do papel das igrejas da cura e da imunização contra vírus; e, por fim, o entendimento da cloroquina como a arma de enfrentamento da pandemia que os inimigos não querem usar.
Percebe-se, assim, que as reações políticas e as formas como o Estado se relaciona com as religiões geram formas distintas de enfrentamentos frente a pandemia. A questão que talvez fica é: as formas como se compreende a pandemia definirão como enfrentá-la ou a forma como o Estado irá enfrentá-la determina as compreensões sobre ela?
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