A igreja no pós Francisco: tensões na nova governança católica
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- Data 24 de abril de 2025
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Artigo publicado pelo Bereia em parceria com o Laboratório de Antropologia da Religião da Unicamp (LAR).
A morte de Francisco encerrou um ciclo na história recente da Igreja Católica. Seu legado, ao mesmo tempo acolhedor, pastoral e politicamente sensível a temáticas socioambientais, mudanças climáticas, abusos sexuais no clero, políticas excludentes de migração e refugiados, estratégias contra o autoritarismo na Igreja, colocou a pergunta: o próximo papa será conservador ou progressista? Embora tentadora, essa classificação binária revela-se limitada perante a geopolítica internacional cada vez mais polarizada.
O Papa Francisco, formado no contexto peronista e em diálogo com a teologia da pobreza, rompeu com protocolos institucionais ao impor sua proposta de governança da acolhida, que se propunha a trazer empatia para os encontros cotidianos com fiéis, a imprensa e chefes de Estado ao tratar temas espinhosos. Lembramos sua abordagem sobre a moral sexual da Igreja ao abençoar a união homoafetiva e sugerir que os homossexuais, antes de serem julgados e condenados, devem ser respeitados em sua dignidade; ao contrapor-se a Trump como construtor de pontes e não de muros; ao defender a criação do Estado Palestino após um urgente cessar-fogo em Gaza.
Esse legado apresenta um grande desafio que não pode ser reduzido a progressistas e conservadores para analisar a atual conjuntura. Criadas em contextos seculares modernos, essas noções não capturam a densidade da tradição católica, nem a multiplicidade de tensões internas que compõem sua história. A igreja não se define por identidades fixas, mas por sua capacidade de sustentar o equilíbrio entre permanência e mudança, entre tradição, hierarquia, reinvenção, busca de consenso no meio de fraturas ideológicas.
Enquanto setores progressistas se declaram órfãos de um Papa que tentou revitalizar a Teologia da Libertação, grupos ultraconservadores, como os “bentovacantistas”, herdeiros ideológicos da TFP, preferem o silêncio, a negação e a nostalgia tridentina que idealizam um retorno absoluto a uma cristandade ideal. O que importa não é o enquadramento ideológico, mas as tendências internas do catolicismo que possam responder às exigências do Sul Global, as tensões internacionais e as transformações culturais das novas gerações que exigem novas sociabilidades. Não é razoável esperar rupturas estruturais imediatas com o patriarcalismo ou o colonialismo institucional do Vaticano numa Igreja milenar. Talvez a pergunta mais relevante não seja se o novo papa será conservador ou progressista, mas de onde ele olhará o mundo e para onde conduzirá a Igreja. O conclave dirá se a Igreja seguirá mudando para continuar sendo ela mesma, ou se, desta vez, ousará surpreender o mundo.
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