Espiritualidade e arte – imagens do site
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- Data 16 de janeiro de 2019
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Não passará desapercebido pelo leitor deste site o uso de obras de arte para ilustra-lo. Invariavelmente, as referências são pinturas modernas, como é o caso da imagem da capa do site, uma obra de Arthur Dove, e a inspiração da qual se originou o logo, dos trabalhos de Kandinsky. Além de razões pragmáticas, a opção por fazê-lo está relacionada com a relação entre a noção de espiritualidade, que tematiza este projeto, e a própria consolidação da modernidade. As imagens aqui mobilizadas refletem essa relação, que no campo da história da arte tem sido evidenciada já há bastante tempo.
Em dezembro de 1911, Waissily Kandinsky publicou o texto Do espiritual na arte, um ensaio capital para os movimentos artísticos do século XX. O artista russo, pioneiro do abstracionismo no Ocidente, exorta nesse livro a capacidade singular da literatura, da música e da pintura de captar e expressar o ser espiritual das coisas. Numa de suas célebres passagens, Kandinsky escreveu: “A forma, mesmo abstrata, geométrica, possui seu próprio som interior, ela é um ser espiritual, dotado de qualidades idênticas as dessa forma. Um triângulo é um ser. Um perfume espiritual que lhe é próprio emana dele” (2000:75).
Na arte abstrata, há uma centralidade atribuída à forma. Esse privilégio da forma, no entanto, não está expresso, como no realismo, pelos traços que buscam reproduzir com perfeição a realidade visível e superficial das coisas. Pelo contrário, a qualidade da forma que interessa aos abstracionistas é aquela velada e, ao mesmo tempo, manifesta, pela superfície. É por isso que, por exemplo, Kandinsky trata do triângulo a partir de sua forma interior (ou de seu perfume espiritual) e não da geometria de sua superfície exterior (as três retas que o compõem). A obra reproduzida acima, Primeira aquarela abstrata, é uma pintura de formas interiores. Tal fidelidade à interioridade da forma também mobilizou o pintor abstrato holandês Piet Mondrian que, quatro anos depois da publicação do ensaio de Kandinsky, afirmou: “para uma abordagem espiritual na arte, é preciso usar menos realidade possível, porque a realidade é oposta ao espiritual” (Fingesten 1961:3).
No início do século XX, o abstracionismo, um dos principais sinais da modernidade ocidental, encarnou o “espiritual” como um de seus elementos centrais. Se esse pode ser um fato inesperado para quem analisa as transformações modernas da vida na Europa do século XIX e XX nos termos da “desmistificação”, para os pesquisadores deste projeto, essa é apenas mais uma das demonstrações de que a espiritualidade não é uma forma marginal de resistência à modernidade secular, mas é parte do próprio projeto moderno, sendo, a emergência do termo, um de seus índices e uma chave fundamental para compreendê-lo.
Não foram poucos os autores que sublinharam a importância da espiritualidade para as ideias e conceitos de alguns dos artistas pioneiros na arte abstrata – além de Kandinsky e Mondrian, outros pintores como Frantisek Kupta e Kazimir Malevich também foram explícitos sobre seus interesses em retratar o ser espiritual das coisas em suas obras (Fingesten 1961; Tuchman et al. 1986).
Tão importante quanto esses textos, é um conjunto crescente de exposições que têm sido montadas em museus de todo mundo e que abordam essa relação. A última delas que merece destaque foi montada em Paris, em 2017, no Musée D´Orsay, em parceria com l’Art Gallery of Ontario de Toronto, intitulada “Au-delà des étoiles. Le paysage mystique de Monet à Kandinsky”.
Antes delas, porém, outras quatro exposições que também exploraram essa relação:
1 – Van Gogh et la naissance du cloisonisme
2 – Le nord mystique: le paysage symboliste dans la peinture de l´Europe du Nord et de l`Amerique du Nord, 1890-1940
Ambas organizadas pela L´Art Gallery of Ontario, no Canadá. A primeira em 1981 e a segunda em 1984
3 – Turner, Whistler e Monet: visions impressionnistes
Montada na Tate Gallery, em Londres, entre 2004 e 2005.
4 – De Van Gogh à Kandinsky. Le paysage symboliste en Europe, 1880-1910
Que circulou em diferentes museus e galerias da Europa.
Ao longo dos próximos meses traremos outras referências deste diálogo entre ciências sociais e arte, endereçado às relações entre modernidade e espiritualidade.
Referências
FINGESTEN, Peter. (1961), “Spirituality, mysticism and non-objective art”. Art Journal, vol. 21, nº 1: 2-6.
KANDINSKY, Wassily. (2000),Do espiritual na arte e na pintura em particular. São Paulo: Martins Fontes.
TUCHMAN, Maurice et al. (1986), The spiritual in art: abstract painting 1890-1985. Los Angeles: Los Angeles County Museum of Art.
Tag:arte, espiritualidade
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