Resenha do livro A Igreja Universal e seus Demônios, escrito por Ronaldo de Almeida
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- Data 3 de agosto de 2019
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Edgar Luiz
ALMEIDA, Ronaldo de. A igreja Universal e seus demônios. Um estudo etnográfico. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2009.
No entendimento do campo religioso brasileiro dentro do quadro (neo) pentecostalismo, o trabalho do antropólogo Ronaldo de Almeida desponta em trazer análises marcantes a partir de sua pesquisa em torno da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), in loco a sede de São Paulo localizada no bairro do Braz. Com isso, Almeida nos diz que a IURD obedecendo a dinâmica estrutural da expansão do pentecostalismo foi formada a partir da dissidência de outras igrejas, tendo em vista que sua genealogia é fruto de uma complicada ramificação que envolve os nomes em destaque do auto-intitulado bispo, Macedo, o auto-intitulado apóstolo, Valdomiro Santiago, e o auto-intitulado missionário, R. R. Soares, entre outros nomes; assim destaca Almeida.
Em seguida Almeida nos diz que pela riqueza de elementos apresentados e pela uniformidade dos cultos realizados em qualquer templo, fora possível atestar em sua pesquisa a oferta de uma radiografia bastante explicativa do funcionamento da Igreja Universal. Almeida então procurou em suas análises, a partir da observação dos cultos realizados, compreender o sentido do conflito religioso neles estabelecido. Também acentua Almeida a questão das inovações nas estratégias de expansão do pentecostalismo; todavia a estruturação dos locais de culto são promovidos no vácuo deixado pelos grandes cinemas e teatros, ou pela falência de fábricas, assim a Igreja Universal foi paulatinamente ocupando esses espaços demarcando seu lugar nos principais centros urbanos. Almeida chama atenção que no meio evangélico ocorre a demanda de certos produtos que lhe são particulares, como: discos, livros, vídeos, jornais, entretenimentos, etc., assinala Almeida que a centralização de recursos e a orientação por parte da direção nacional têm permitido à igreja agir de forma empresarial.
Adiante destaca Almeida que dos vários tipos de cultos ofertados por um calendário de atividades a IURD oferece um culto dedicado somente aos empresários, tendo em vista a “corrente da restituição”. Analisa Almeida que, além disso, evidentemente, a instituição oferece algo muito melhor do que simplesmente solucionar os problemas financeiros, de acordo com seus panfletos a adesão à Igreja Universal implica uma ascensão social, segundo seus folhetos de propaganda de casos solucionados. Outra análise bastante discorrida no texto de Almeida está relacionada aos cultos dedicados ao exorcismo que são realizados às sextas-feiras, o dia da “corrente da libertação”. Sublinha Almeida que é interessante notar que a reunião é realizada na sexta-feira, dia associado pelo senso comum aos rituais da Umbanda e do Candomblé; assim nos diz Almeida que a Igreja Universal dedicou propositalmente, segundo declaração dos próprios pregadores, esse dia a “libertação” dos espíritos malignos que habitam os terreiros dessas religiões. Então Almeida destaca que a associação das religiões mediúnicas (Candomblé, Umbanda, e Mesa Branca; isto sem falar das inúmeras outras religiões citadas em outros momentos) se vinculariam a um passado pecaminoso e de infortúnios, e que seria somente superado com a adesão à Igreja Universal.
Chama destaque Almeida que todas as atividades da Igreja Universal, seja nos templos espalhados por todo o país, sejam nas programações do rádio e da televisão, obedecem a uma mesma linha temática. Almeida analisa o programa Ponto da fé, que visa à oração pelos ouvintes e à explicação de como são realizados os diversos feitiços do Candomblé, da macumba, da Umbanda, do vodu, etc.; dos quais os ouvintes confessam terem sido vítimas. No aspecto do exorcismo, Almeida nos diz que a possessão é retratada de duas maneiras; por um lado o programa mostra em suas imagens pessoas incorporadas por uma entidade em um terreiro, ao lado de um despacho e em transe, elas usam certos trajes e dançam conforme as exigências daquele ritual. Todavia, quando são filmadas na igreja, estão possuídas por demônios e de joelhos, têm seu transe controlado pela “imposição de mãos” do pastor-exorcista. Estas cenas televisivas no programa são intercaladas, fazendo o telespectador associar a entidade ao demônio, dando a entender que as possessões são da mesma natureza.
Assinala Almeida que à parte os ataques às religiões afro-brasileiras, a Igreja Universal tem-se utilizado muito do rádio e da televisão e dedicado boa parte dos seus esforços à formação de uma rede de comunicações para a propagação da sua mensagem. Tendo em vista que todo um aparato técnico é usado para acompanhar os milagres e exorcismos que se sucedem nos templos, acentua Almeida que assim como a Igreja Universal tem seu próprio canal de televisão a Rede Record. Também alguns pastores-repórteres, entrevistam aqueles que receberam algum milagre ou foram “libertados da ação do diabo”; até mesmo no momento em que um exorcismo está acontecendo o pastor realiza uma entrevista com a pessoa endemoninhada, ou com o demônio incorporado, para posterior exibição no programa da TV Record. Almeida ressalta também que no hall da entrada da Igreja, obreiras passam um “óleo ungido” naqueles que irão participar do culto; pois o óleo servirá para a proteção espiritual contra a ação do diabo, segundo as obreiras que passam o óleo trata-se de um “fechamento do corpo”. Assinala Almeida que esta expressão – “fechar o corpo” –, tão corrente nos terreiros de Umbanda e Candomblé, e até mesmo no vocabulário popular, é constantemente citada nas várias reuniões por diversos pastores.
Aponta em sua análise Almeida destacando que em boa parte das igrejas evangélicas, herdeiras da tradição protestante que nega a intermediação dos santos entre homem e Deus ocorre o rompimento com o uso de qualquer tipo de imagem ou objeto sagrado, Almeida ressalta que não se encontrava nenhuma imagem, nenhum objeto de adoração ou ornamento. Assim enfatiza Almeida que a ausência de objetos nos templos, que poderiam desempenhar algum papel litúrgico, demonstra que o culto está baseado na oralidade e na performance; pois o lugar do culto não possui em si um caráter sagrado. Tendo em vista que a sacralização do lugar de culto, portanto, só ocorre mediante a reunião dos fiéis; todavia, o que importa é a reunião em torno de um grande espetáculo produzido pelo pastor. Entretanto Almeida ressalta que mais um elemento presente no templo da igreja, na parede lateral do salão podia-se encontrar uma grande faixa com os nomes dos seus candidatos oficiais aos mandatos de deputado estadual e federal. Acentua Almeida, o que poderia parecer uma divisão interna nada mais era do que uma estratégia eleitoral para a eleição de um número maior de representantes, sublinha Almeida que a Igreja Universal distribui equitativamente entre seus candidatos os votos que cada templo é capaz de gerar!
No curso de suas análises Almeida infere, o que torna a Igreja Universal ascendente no cenário religioso brasileiro é a atividade cotidiana encontrada no interior de seus cultos; assim como também as características expansivas e as atividades empresarias e políticas são sinais de extrema sensibilidade na apropriação de certos meios que possibilitam viabilizar a disseminação cada vez maior de sua mensagem. Adiante em sua análise Almeida corrobora que é basicamente, no espaço do templo, por meio do exorcismo e do vilipêndio de outras religiões que uma “guerra santa” é travada. Diante sua dinâmica, Almeida esboça um quadro geral de que forma ocorre a adesão à Igreja Universal e como é formulada sua inserção no capo religioso brasileiro. Acentua também Almeida que a Igreja Universal, embora demonstre uma capacidade muito grande de modernizar seus instrumentos de evangelização, apresenta acentuada ênfase, mesmo para uma igreja pentecostal, no sobrenatural e nos malefícios da vivência em outros tipos de religiosidade, em particular nas religiões afro-brasileiras.
No quadro de sua dinâmica sublinha Almeida que a problematização do sofrimento, a busca da sua origem e a oferta da “libertação” desse sofrimento constitui o eixo central a partir do qual o sentido do culto pode ser entendido e um conflito religioso explicitado. Conflito que por sinal, trouxe profundas implicações para a religiosidade pentecostal e uma nova configuração no campo religioso brasileiro. Diante desta configuração Almeida analisa também a pouca preocupação com uma exegese mais profunda sobre o texto bíblico; o estudo da Bíblia parece não constituir um elemento tão central para a vida religiosa. O conhecimento dela por parte dos fiéis é muito limitado, acentua Almeida que as pregações não contribuem para aprimorá-lo. Todavia, infere que o estudo e o conhecimento desse livro não assumem uma centralidade que pode ser observada em outras igrejas evangélicas, conquanto na Igreja Universal nem a Bíblia, bem o sermão constituem a parte central do culto de “libertação”. Ainda enfatiza Almeida que o sermão que compreenderia o incentivo à leitura e ao estudo da Bíblia não ocupa o ponto culminante da reunião, pois é nesse pressuposto que o próprio bispo Macedo escreveu o livro Libertação da Teologia, em que condena qualquer tipo de reflexão intelectualizada que tende a formar com a leitura da Bíblia um corpo doutrinário.
Tendo em vista esse aspecto Almeida sublinha que o sermão, assim como a oração inicial, pela própria rapidez com que é realizado, tem o intuito de reconstruir o sentido do sofrimento das pessoas e convencê-las da necessidade de “libertação”. Portanto, o confronto travado entre Deus e as diferentes manifestações do diabo na vida de cada um e a “libertação” só ocorrerão no exorcismo; é nele que a “vitória” sobre esse sofrimento se efetivará; em suma, é para o exorcismo que todas as partes iniciais do culto convergem. Diante dessa questão, para a Igreja Universal o mundo está dividido entre pessoas “libertas” e “não-libertas”, aponta Almeida que até aqui nada de novo em atribuir ao diabo (não-libertos) os males que atingem a humanidade; todavia, o importante é a ênfase dessa igreja na ação contínua do diabo sobre a vida dos “não-libertos”. Também chama atenção Almeida que por um lado a Igreja Universal enumera alguns sinais da possessão de demônios, por outro identifica a origem de tais demônios em outras práticas religiosas, em particular nas afro-brasileiras. Portanto, na Igreja Universal o ataque à Umbanda e o Candomblé imperam como matérias principais. Assinala Almeida que nos “cultos de libertação”, há grande expectativa em relação à “manifestação” dos demônios, pois naquele instante o objetivo é humilhar o diabo e conhecer sua identidade. Sendo assim, os obreiros controlam o transe dos endemoninhados e levam para diante do púlpito.
O que chama atenção e ressalta Almeida é que em qualquer outra igreja pentecostal que adota o exorcismo, o procedimento seria simplesmente o de expulsar o demônio; aliás, nelas a possessão não é tão constante como na Igreja Universal; nesta contudo, uma parte do culto é destinada especialmente a esse fenômeno religioso. Acentua Almeida que a própria movimentação dos obreiros demonstra que a possessão é algo ritualmente estimulada. Assinala Almeida que a forma utilizada para a convocação das entidades varia de acordo com o pastor-exorcista que dirige a reunião. Assim Almeida nos diz que da mesma maneira como acontece nos terreiros onde há um estado de semiconsciência e é a entidade que fala, no templo, o endemoninhado perde a consciência dando voz ao demônio. Analisa Almeida que o momento de nomeação dos demônios é um dos mais importantes do culto, pois dispõe o entendimento não só da sua dinâmica interna, mas também de toda a religiosidade que a Igreja Universal inaugurou no campo religioso brasileiro; então acentua Almeida que é constante em qualquer exorcismo, as entidades das religiões afro-brasileiras.
Diante desse quadro Almeida nos diz que nos cultos da Igreja Universal o diabo adquire uma identidade, sendo os demônios que causam o sofrimento as mesmas entidades que habitam os terreiros de Umbanda. Segundo Almeida não se trata somente da “manifestação” do diabo, mas da associação deste com as divindades que são cultuadas por uma parcela significativa da população brasileira. Tento em vista também que conforme o livro do bispo Macedo as religiões afro-brasileiras são como “máscaras acobertadoras de uma realidade maligna da qual o homem necessita ser libertado.” Almeida infere que se na Igreja Católica o segrede da confissão é um dos princípios fundamentais, na Igreja Universal o desespero mais íntimo encontra solução no momento de maior publicidade e, acima de tudo, de maior alteração da consciência do fiel, tendo em vista que tudo isso é realizado de forma pública e diante da televisão.
Em vista disso a Igreja Universal, entre os inúmeros ataques lançados contra outras religiões, encontrou na Umbanda o seu inimigo privilegiado. Almeida ressalta que tanto uma quanto a outra oferecem ajuda imediata, atingindo um público-alvo muito semelhante. Assim o conflito religioso, portanto, é estruturado com a finalidade de provar qual religião é capaz de responder com eficácia às ansiedades dos fiéis. Almeida também analisa que sem citar em nenhum momento no nome de Cristo, a Igreja Universal se coloca para seus fiéis como instituição intermediadora entre o homem e Deus; o que é significativamente diferente do protestantismo europeu dos quais descende a maioria dos evangélicos brasileiros. Por fim, após todo esse espetáculo religioso, nos diz Almeida que as categorias das religiões afro-brasileiras são reduzidas às categorias da Igreja Universal. Assim como no título do livro do bispo Macedo, as entidades são satanizadas.
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