Cartas a Maria Cristo: crônica de uma pesquisa
- Categorias Crônicas de Pesquisa, Novidades
- Data 9 de março de 2023
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Introdução
A presente crônica de pesquisa é resultado de uma iniciação científica desenvolvida entre 2021 e 2022, financiada pela FAPESP, que investigou o nascimento de uma nova morfologia de fé cristã mariana, em que Maria de Nazaré é apresentada como uma autoridade Crística: Maria Cristo, que surge na Sociedade Maria Cristo (SMC)[1], nome jurídico: Sociedade Filantrópica Maria de Nazaré. A SMC, objeto da pesquisa, teve o início oficial dos seus trabalhos públicos em 1990, com a publicação do primeiro artigo de seu fundador, o médium Benjamin Teixeira de Aguiar, que é de orientação homossexual. A mediunidade de Benjamin constitui as bases da SMC, ele apresenta uma comunidade de Guias Espirituais e em torno desta relação decorrem todas as atividades da Sociedade. O Espírito que mais manifesta-se é Eugênia-Aspásia, enunciada como Embaixadora de Maria Cristo, que em sua última encarnação foi Bernadette Soubirous (vidente de Maria em Lourdes/França). A relação entre Eugênia-Aspásia e Benjamin denota uma união mística que circunscreve um continuum entre Benjamin, Eugênia-Aspásia e Maria Cristo. Graças a este eixo revela-se a feição mariana da SMC. A Sociedade, fundada em Aracaju (SE, BR), em 2021 transferiu sua sede para LaGrange (NY, EUA). Em março de 2017, considerando as páginas em inglês e português, Benjamin tornou-se o médium com maior número de seguidores no mundo. Enquanto ONG, Sociedade Filantrópica Maria de Nazaré, a SMC é órgão consultivo do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU. A hipótese inicial desta pesquisa é que a SMC gera uma identidade social de um viés progressista, legitimada pela categoria espiritualidade, afinada com a agenda contemporânea de direitos civis, em particular às reivindicações dos movimentos feministas e LGBTQIA+: A partir disto, a pesquisa notou que na SMC há indícios de um movimento inédito de revelação acerca da Divindade Materna no seio cristão, por meio do líder Benjamin Teixeira de Aguiar, interpretado neste estudo como um profeta, que anuncia Maria Cristo, uma Mãe semi Divina que representa a Mãe Divina. O que atualiza o conceito cristão de que Deus é Pai, com a perspectiva de que Deus também é Mãe.
Couer da Pesquisa: Análise etnográfica.
O couer da pesquisa deu-se a partir do estudo da liderança, o médium Benjamin Teixeira de Aguiar que foi interpretado neste estudo como um profeta, ou seja, uma pessoa portadora de uma sensitividade aguda que tem uma experiência mística de iluminação original e descobre uma verdade sobre Deus, da ética ou do cosmos, e assim, faz uma revelação (MASLOW, 1970). Benjamin em sua experiência mística de revelação traz a lume a boa nova, ensinamentos de Eugênia-Aspásia e Maria Cristo. Neste processo, relata que Eugênia-Aspásia, tem uma linha reencarnatória de mulheres fortes, como Aspásia de Mileto, mestra de Sócrates em retórica; Santa Cláudia Prócula, que tentou evitar a crucificação de Jesus de Nazaré; Catarina de Aragão, pioneira em propiciar educação para mulheres e por fim, Santa Bernadette Soubirous, vidente de Maria de Nazaré em Lourdes.
Nisto, percebe-se que o sagrado mediúnico é apresentado por Benjamin em diálogo com perspectivas clássicas e atualizadas no contexto contemporâneo. Isto porque ao apresentar tal linhagem de encarnações passadas de Eugênia evidenciando traços que as fazem mulheres fortes que resistiram ao patriarcado é perceptível como algo que simboliza a conexão da SMC com o feminismo (STONE, 2014). Como também, Benjamin ao anunciar Maria de Nazaré em uma posição de autoridade Crística pode ser associado às visões feministas de emancipação da mulher do sistema patriarcal (CARRANZA; ROSADO-NUNES, 2022). Dessa forma, para melhor compreender tais afirmações, este estudo encaminha-se para a análise pormenorizada da tese Maria Cristo.
Maria Cristo
Em 2005, é publicado o livro Maria Cristo, trata-se de uma obra psicografada por Benjamin de autoria de Eugênia-Aspásia, o livro revela que Maria de Nazaré partilha da condição Crística com Jesus de Nazaré, argumenta que em realidade Maria teria sido Mestra-Mentora de Jesus e devido ao contexto sócio-histórico teria sido obrigada ao silêncio, por isso, Jesus foi seu Porta-Voz e Representante. Centra-se a discussão neste texto sobre a tese, a qual informa que a Divindade transcende polos psicossexuais, mas que pode ser visto com Deus-Pai e Deus-Mãe, Jesus e Maria não seriam encarnações de Deus e sim representantes Crísticos da Divindade. A SMC expressa que a trindade Pai, Filho e Espírito Santo como as figuras dos três Cristos: Pai – Arcanjo Gabriel da Anunciação, filho – Jesus Cristo e Espírito Santo da Mãe – Maria Cristo, estes Seres representam a Divindade em seu lado maternal e paternal, que une estes lados de maneira andrógina. Na SMC, Maria é a Mestra-Oculta que tudo coordena, uma vez que Jesus falou em nome de Dela, Maria é, então, a Mãe Crística da Terra e Representante de Deusa Mãe. Tal argumento é ilustrado com com passagens bíblicas, traz o episódio em que Maria repreendeu Jesus quando ele foge para o templo na adolescência e tenta iniciar seu trabalho antes da hora, ele carecia do comando de Maria para começar. O que ocorre no evento das Bodas de Canaã, em que ela como Mestra inicia seu Discípulo, naquele momento por meio do pedido de Maria, Jesus realiza seu primeiro milagre e a partir do comando dela, como sua Mestra, começa sua vida pública. Além disso, na tese Maria Cristo, a perspectiva da Virgem Maria é ressignificada, remete à noção da antiguidade em que virgem significa mulher autossuficiente. É enfatizado que o que realmente importa é compreender a pureza dos sentimentos de Maria. A tese defende a necessidade de valorizar a feminilidade e seus atributos – tanto em homens como em mulheres – para que desta forma a humanidade possa ser salva da autodestruição decorrente do patriarcalismo com seu imperialismo socioeconômico e lógica de exploração da natureza, processo que é catalisado por Maria Cristo. Nota-se aqui uma interlocução com o pensamento ecofeminista, em linhas gerais, que faz uma interconexão entre a dominação das mulheres e da natureza no sistema social vigente (SILIPRANDI, 2000). Por fim, inspira uma teodiceia contemporânea com Maria Cristo que para o inconsciente coletivo representa a deusa imanente – mãe natureza, a matriz do nosso divino interior, a mãe espiritual e o símbolo da Deusa Transcendente, movimento intitulado como Natal de Maria Cristo.
Conclusão
Averiguou-se, até agora, na Sociedade Maria Cristo indícios de um movimento inédito de revelação acerca da Divindade Materna no seio cristão, por meio do líder Benjamin Teixeira de Aguiar, o que ecoa com a demanda progressista de setores feministas e LGBT+. E assim caminha com a popularizada devoção a Maria que é vista como a alternativa a Divindade Paterna, no sentido que quando as pessoas perdem a esperança de obterem a atenção de Jesus, recorrem a Sua Mãe. Na mesma trilha de pensamento, para Campbell (2013) a devoção a Maria, que tem crescido no decorrer dos milênios, seria o retorno da Grande Deusa para a cultura ocidental. Esta nova morfologia de fé em que Maria Cristo, a Mãe do planeta Terra representando a Deusa Mãe, simboliza um novo porvir para humanidade, o que é anunciado como o Natal de Maria Cristo.
Referência
CAMPBELL, Joseph. Goddesses, Mysteries of the Feminine Divine, 2013.
CARRANZA, Brenda; ROSADO-NUNES, Maria José (2022). Feminismo (verbete). In: Dicionário Ciência da Religião. Alfredo Teixeira, et.al. (editores). Paulinas, São Paulo, p.399-406.
MASLOW, A. H. Religions, Values, and Peak Experiences. The Viking Press, 1970.
SILIPRANDI, Emma. “Ecofeminismo: contribuições e limites para a abordagem de políticas ambientais”. Agroecologia e desenvolvimento sustentável, 2000.
STONE, Emma Francis. Deus É Brasileiro: A Comparative Study of Contemporary Religiosity in Late Modern Brazil. The University of Auckland,2014.
[1] No dia 29 de janeiro de 2023 a Sociedade Maria Cristo alterou seu nome, anteriormente, o que implica o período em que esta pesquisa foi elaborada, seu nome era Instituto Salto Quântico.
A autoria é de Luiza Prado Luz Marques, bacharel em Antropologia e licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas. Desde 2018 participa do Laboratório de Antropologia da Religião (LAR – UNICAMP) e participou do Núcleo de Estudos em Espiritualidade e Saúde (NUES – UNICAMP). Desenvolveu pesquisa de iniciação científica com ênfase em Antropologia da Religião em interlocução com Antropologia de gênero e sexualidade, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo: “Cartas a Maria Cristo: uma nova morfologia de fé”.
Contato com Luiza Prado Luz Marques: msluizaprado@gmail.com
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