Cristofobia, uma estratégia preocupante
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- Data 7 de outubro de 2020
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Artigo de opinião originalmente publicado em Bereia: Informação e Checagem de Notícias
O Presidente Jair Bolsonaro, no dia 22 de setembro de 2020 lança no seu discurso de abertura do encontro anual da ONU – Organização das Nações Unidas, um termo que teve repercussão na imprensa nacional e internacional. Após fazer digressões sobre a situação econômica do país, a crise ambiental, as consequências da pandemia, relações internacionais, com foco na Venezuela, Sr. Presidente pronúncia a seguinte frase: “faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia”. O discurso continua em direção ao Oriente Médio, prestando solidariedade ao Líbano, atingido recentemente por uma explosão portuária e acenando para parcerias com o Estado de Israel. O discurso é encerrado com uma frase que declara o Brasil, um Estado laico, como sendo: “um país cristão e conservador e [que] tem na família sua base. Deus abençoe todos”.
Essa frase aparentemente solta, pronunciada por um chefe de Estado numa congregação mundial das nações, não é leviana e não pode passar despercebida. Como não passou pela reverberação de seus efeitos que se encontra na imprensa, em geral, e nas redes sociais, em particular. Cabe uma ponderação reflexiva sobre o que é e pode vir a ser uma cristofobia no Brasil. Será feita de forma catequética que via perguntas e respostas ajude a focar na argumentação.
Mas, o que é Cristofobia?
É uma narrativa cristã construída a partir de um sentimento de perseguição, ameaça e/ou ataque. Usado sem essas situações reais de perseguição que pode ser seguida de morte, ameaça a direitos de expressão religiosa e de ataque físico e simbólico a templos, igrejas, pessoas. O termo pode ser utilizado como uma estratégia retórica que afirma supremacia de uma maioria cristã e justifica perseguição para aqueles que não são maiorias demográficas, simbólicas e políticas. Enquanto estratégia retórica e sem base real e fundamento o termo Cristofobia se torna um preconceito com suas consequências discriminatórias.
O termo pode ser aplicado ao Brasil?
NÃO.
O Brasil é um país com maioria histórica, demográfica e simbolicamente cristã. É o cristianismo sua matriz cultural, a orientação de seu código de costumes e o horizonte jurídico que impregna direitos fundamentais garantidos por lei na Constituição de 1988. Ainda que por diversos motivos, entre eles de cunho político, tanto no passado remoto quanto no recente, tenham-se registrado perseguições a pessoas que se confessam cristãs, atualmente isso não é um fato. O que é uma realidade cada vez mais recorrente é a perseguição por motivos religiosos das religiões afrodescendentes que são, sim, uma minoria demográfica no país. Mesmo assim, o Brasil não pode ser enquadro entre os países como a Índia e no Oriente Médio nos quais existe, em diferentes graus, essa perseguição por motivos religiosos aos cristãos. Contudo, dentro do cristianismo e fora não tem sido referido como cristofobia e sim como perseguição aos cristãos, como o próprio Papa Francisco se referiu no seu discurso à ONU em ocasião do seu 75º aniversário, na mesma data do pronunciamento do Sr. Presidente Bolsonaro.
Por quê então utilizar o termo no Brasil?
A resposta é muito interessante e deve ser colocada no contexto do uso retórico. Assim, o Cristofobia pode ser aproximadamente datado as intervenções públicas do Deputado Federal Marcos Feliciano, na Câmara de Deputados Federais desde 2011, conhecidamente por suas atitudes homofóbicas, quem perante as passeatas Gay em São Paulo, desde em 2015, vem reagindo de forma acusatória, indicando que essas manifestações são expressões de aberrações morais e desvios de comportamentos. Utilizar pública e aleatoriamente o Cristofobia é pavimentar a ideia de que existe um ódio contra o cristianismo. Tal ódio, segundo os disseminadores do termo, é nutrido por minorias sociais, étnicas e demográficas (entre elas comunidades LGBTQ+, movimentos sociais, indígenas, negros, pobres, feministas e religiões afrodescendentes) que ameaçam o moral e costumes cristãos e acalentam desejos de atacar os cristãos.
Cristofobia pode ser um termo perigoso?
SIM.
Porque, de um lado, coloca na pauta religiosa, social e da mídia um fenômeno que não existe no Brasil nem na América Latina. De outro lado, porque como todo preconceito esconde as diferenças internas que há nos grupos que ele estigmatiza, justifica sua exclusão e reforça uma visão de serem ameaçadores para a ordem moral estabelecida por um tipo de interpretação cristã. Que dito seja, não é consenso no cristianismo, nem católico nem evangélico, pois ambos segmentos são profundamente plurais. Mais ainda, e aqui entra o elemento perigoso: ele justifica ameaçar, atacar e criminalizar aqueles que são alvo de sua perseguição em nome de uma inversão criada por esses grupos que reverberam o termo. Dito de outra forma: a cristofobia é um álibi para perseguir a quem se disse perseguido. Álibi que historicamente sempre foi nefasto para a sociedade e a religião, basta lembrar a Inquisição e ler a História.
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