Virtualização das atividades religiosas em tempos de pandemia
- Categorias COVID-19, Debates, Eventos, Novidades
- Data 21 de setembro de 2020
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Nesta crônica, são apresentadas livres reflexões sobre a mesa 4 do Seminário Reações Religiosas à Covid-19 na América Latina, que contou com as participações de Verónica Gimenez Béliveau (UBA/Argentina), como mediadora, e com as apresentações de Néstor da Costa (UCA/Uruguay), Clayton Guerreiro (Unicamp/Brasil), Eva Scheliga (UFPR/Brasil), Lívia Reis (Museu Nacional/UFRJ/Brasil) e Renata Menezes (Museu Nacional/UFRJ/Brasil).
Não é de hoje que a prática religiosa aderiu ao mundo virtual. A chamada “cibercultura”, entendida como uma “expressão das formas de vida, práticas e problemas antropológicos ligados às tecnologias digitais” ou “uma espécie de saber próprio do contemporâneo”, já vinha sendo debatida desde 2005, segundo Erick Felinto. O mesmo assunto ainda pode ser chamado de “mediatização”, como escolhido por Fausto Neto e Pedro Gilberto Gomes, também no início dos anos 2000, para identificar processos de interação social a partir do desenvolvimento e da intensificação da convergência tecnológica, revelando-se um “novo bios midiático”.
Sendo assim, a Internet se apresenta a nós como um poderoso dispositivo na formação de processos de reencantamento do mundo, como já dizia Neto e outros, há mais de uma década atrás. Os diversos serviços prestados pela Igreja Católica nesse terreno de bits, streaming, podcast, hashtag, meme etc, são conhecidos antes mesmo do Orkut, com versões online da bíblia, serviços de orientação por líderes religiosos através das mídias, programas de áudio, vídeo, missas, palestras, recebimento de mensagens pelo celular, sem falar da “vela virtual” mais econômica e claramente eficaz.
O coronavírus e as experiências de distanciamento social tensionaram ainda mais essa religiosidade online. A convocação ao Jejum Nacional, por exemplo, endossada por “aquele que é messias, mas não faz milagres”, repercutiu em praticamente todos os meios tecnológicos como uma mensagem que fazia alusão a uma suposta imunidade nacional, resultando em posicionamentos heterogêneos entre os grupos religiosos, inclusive entre os setores evangélicos. Esta convocação nacional ao jejum, aliás, explicita ainda mais o alinhamento entre alguns pastores neopentecostais, setores do empresariado e membros do governo.
Vale lembrar que aqui no Brasil também contamos com a polemização da suspensão das atividades religiosas presenciais sob o decreto de quarentena e outras controvérsias, como a atuação de líderes religiosos de segmentos pentecostais em discordância com as recomendações sanitárias da OMS, de cientistas, pesquisadores, governo dos estados, grande imprensa, e com isso, por consequência, divergiu do posicionamento de outros pastores e demais religiosos em relação à pandemia do novo coronavírus.
Casos de conflito entre religiosos e autoridades do governo e da saúde em matéria de fechamento dos locais de culto, como sabemos, não são exclusivos ao Brasil. No entanto, é interessante citar que não é raro encontrar exemplos de países nos quais as medidas sanitárias foram melhor assimiladas e incorporadas. No que se limita à América Latina, ilustra este ponto o Uruguai, onde a suspensão das práticas religiosas in loco se deu de maneira voluntária por parte das organizações religiosas. De todo modo, é o que há de comum entre Brasil e Uruguai que nos leva de volta ao centro de nossa discussão, a saber, a virtualização das atividades religiosas em tempos de quarentena.
No Uruguai, segundo formulário elaborado por pesquisadores locais, os adeptos cristãos estão apostando em práticas religiosas já existentes e que podem ser realizadas individualmente ou em grupos que se encontram nos espaços virtuais. Dentre estas constam a prática de orações, leitura e estudos bíblicos, missas à distância veiculadas pelas mídias, e práticas de meditação, yoga, mantras etc.
No Brasil, por sua vez, além da semelhança com as práticas supracitadas, chamou a atenção a assiduidade, por assim dizer, de muitos segmentos religiosos para com as práticas assistenciais, mobilizadas pelas linguagens e plataformas da internet. Soma-se a isto a reinvenção do religioso, por intermédio da projeção de imagens religiosas em prédios, cultos cristãos de tipo drive-in, e do que tem sido chamado de iconografia da doença, ou seja, a elaboração de imagens que dialogam tanto com o universo religioso quanto com o universo pandêmico. Desta combinação resultam montagens (edições fotográficas) e ilustrações, concebidas na forma de memes de redes sociais ou grafite em edifícios urbanos, que retratam, por exemplo, Jesus na UTI estendendo bênçãos aos infectados pelo Sars-CoV-2 e orixás usando máscaras de proteção alertando para as devidas medidas de precaução. Ademais, tal iconografia foi notavelmente usada pelos religiosos dos mais variados segmentos para a manifestação de apelo ao isolamento social, contrapondo-se ao governo federal e à autorização de abertura dos templos.
Para concluir, fica no horizonte as experiências religiosas viabilizadas pelas categorias do espetáculo musical, do audiovisual e das linguagens cênicas, disponíveis em plataformas digitais gratuitas ou para assinantes, em algo análogo ao entretenimento. As fronteiras entre lazer, diversão e fé é terreno a ser explorado.
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