A “antropologia do cristianismo”: laboratório para estudar os efeitos da “virada ontológica” na antropologia da religião
- Categorias Debates, Novidades, Virada ontológica
- Data 8 de maio de 2020
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Texto de Agustina Altman, publicado originalmente em DIVERSA. Tradução por Greta Garcia.
Nas últimas décadas, encontramos na antropologia um grande número de obras relacionadas à “virada ontológica”. Quando perguntamos sobre seus possíveis efeitos na área específica da antropologia da religião, podemos analisar o programa de pesquisa conhecido como “antropologia do cristianismo”. Por que proponho isso? A “virada ontológica” e a “antropologia do cristianismo” compartilham muitas características e, de fato, os autores que se inscrevem em ambos mantêm um intenso intercâmbio. Ambos são programas que surgiram no contexto dos centros acadêmicos hegemônicos especialmente anglo-saxões (de fato, a linguagem na qual seus textos são produzidos é um ponto importante para entender sua influência). Eles citam um ao outro, já que, para a “antropologia do cristianismo”, a “virada ontológica” é a referência contemporânea sobre as sociedades indígenas. Simultaneamente, para a “virada ontológica”, a “antropologia do cristianismo” é a referência com a qual dialogam na hora de pensar sobre o cristianismo. Portanto, a “antropologia do cristianismo” é um laboratório interessante para pensar os possíveis impactos da “virada ontológica” no contexto da antropologia da religião. Alguns eixos que esses dois empreendimentos acadêmicos compartilham são: uma maneira simplista de conceber a modernidade; uma visão essencialista e estática das sociedades indígenas antes de sua experiência colonial; uma concepção abrupta de mudança cultural e religiosa.
Em referência às idéias de modernidade que são utilizadas, é notável a falta de diálogo com as contribuições da teoria descolonial e pós-colonial. Em referência ao caráter constitutivo do moderno que teve a expansão européia global, a idéia do papel das “periferias” na conformação da modernidade hegemônica está ausente. Mas também as ressignificações da modernidade que ocorrem localmente nessas “periferias”, não aparecem como verdadeiras recriações culturais dentro das margens que as relações assimétricas de poder permitem em cada caso.
As próprias sociedades indígenas anteriores ao contato colonial são pensadas como unidades homogêneas e estáticas. Há pouca atenção à heterogeneidade interna, à dissidência e ao caráter dinâmico das cosmologias indígenas. Nesse sentido, a falta de diálogo com as etnografias de outras correntes teóricas sobre estes tópicos reduz o campo de análise desses programas.
Em referência às mudanças ontológicas produzidas pelos processos de conversão ao cristianismo, a ênfase está na ruptura, na “inconstância da alma selvagem” e não nas diversas concepções de pertença, processos de ressignificação e de relação com poderes não-humanos que foram extensivamente pesquisados nesses contextos.
Por tudo isso, incluir na antropologia da religião elementos da “virada ontológica” requer no mínimo uma revisão crítica dos mesmos. Para isso, deve-se colocá-los em diálogo com as perspectivas pós-coloniais, bem como com outros estudos sobre mudança religiosa.
Nesse sentido, acreditamos que a discussão inicial nos estudos de antropologia de Chaco sobre mudança religiosa – no contexto de complexos cenários interétnicos e múltiplas periferias – é um exemplo de como abordar ontologias a partir da perspectiva de uma verdadeira economia política dos sistemas cosmológicos.
Agustina Altman é doutora pela Universidad de Buenos Aires (UBA) e pesquisadora do Consejo Nacional de Invesigaciones Científicas y Técnicas (CONICET) e da Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales (FLACSO).
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